O fato é que já nos anos mil quinhentos e noventa alguns anõezinhos parlamentares já haviam feito algumas traquinagens e, entre eles, um de nome Vé Zeraldo, que, inquirido por um conselho de colegas a responder sobre desvio de verbas públicas, já se esquecera de uma latifúndio que comprara:
- Reconheço o cheque como sendo meu, mas não me lembro da fazenda.
Vistes, Senhores? Vistes como eram as coisas naquele reino quase dois decênios antes? E olhai que nem me ocupo aqui de outro dos anões, que tirara a sorte-grande mais de cinquenta vezes, chamado Janjão Calves.
Mas tornemos, honrados cidadãos, aos fatos que ora interessam.
Não é que, no ano de 1611, a rainha... a rainha... a rainha...? Meu Bom Deus, qual era mesmo o nome da rainha?! Vedes? Também não me lembro. Mas aconteceu que a rainha, só nos primeiros dez meses do ano de 1611, perdeu seis dos seus seiscentos ministros, cinco destes por corrupção. Quando vos digo perdeu, é porque Sua Majestade não demitiu nenhum: todos foram aconselhados, nos bastidores, por seus correligionários e amigos a deixar o poder.
Houve o caso do ministro Afrânio Balote (talvez uma corruptela - que neste caso nada tem a ver com roubalheira - ou abreviatura de baleia cachalote), que multiplicara em poucos meses o seu patrimônio sem saber como (notai o tamanho do esquecimento), o do ministro com nome de cantor, Francisco Alves, que jurou aos arautos do reino que nada desviara, era inocente, que o que havia era uma intenção ardilosa e malvada de invejosos em desestabilizar a sua situação no governo e ao próprio reino.
Não posso também esquecer o ministro dos Passeios, Ledo Velhais, acusado de usar recursos públicos de modo irregular quando tinha sido parlamentar. Nem do ministro Manfredo Movimento, suspeito de superfaturar obras da sua pasta, e Ágner Roça, a que as más línguas atribuíam pagamento de propinas.
O grande caso é que todos se declararam inocentes. Nenhum foi demitido. Nenhum teve de dar satisfações a nenhuma CPI (comissão de parlamentares interrogadores). Todos pediram demissão, indignados com a onda de maldosos e destrutivos boatos.
Quando se via instada pelos arautos a responder o que faria com relação a cada ministro provocador de escândalo, a rainha sempre desconversava e deixava que se percebesse nas estrelinhas que o assesssor estava prestigiado. A certa altura, disse que promoveria uma verdadeira faxina ética naquele reino. Mas tudo foi mera retórica.
Por último, o que se sabe daquele país exótico e brincalhão é que Sua Excelência, o ministro Puppy, estava também envolvido em alguns rolos, sendo acusado de envolvimento com irregularidades de organizações não reais (não criadas pelo reino), de receber favores de um tal... um tal...?
- ...como é mesmo o nome desse senhor? Ah, sim! - leu - Arquibaldo!
Foi até então o caso mais grave de falta de memória da gestão da rainha (de outros ficaremos sabendo mais tarde, quando terminarmos a pesquisa e soubermos o final desta história). Mas o Dr. Puppy era valente, não se deixou abater de pronto, saiu logo atirando:
- Vamos parar com esse negócio de ficar derrubando ministro! Daqui eu não saio, daqui ninguém me tira!
As entrevistas com os arautos aconteceram mais ou menos assim:
- Excelência, dizei aqui a nós, emissários da rainha tão ávidos de verdade, se viajastes à custa dos favores do Sr. Arquibaldo, usando alguma embarcação de propriedade deste.
- Jamais, ó nobres mensageiros do verossímil! Sequer conheço esse senhor...?...? Valdo!
- Sois,então, ó nobre senhor, vítima de calúnias?
- Como não, meus bons arautos? Como não? - e bravejou: - Vamos parar de uma vez por todas de ficar a despojar a nós, elevados e confiáveis assessores da rainha, do poder! - e ainda, dirigindo-se à nobre: - Eu vos amo, Nobre Rainha! Mas não posso sair por razões tão injustas!
Dias depois, entretanto, foi divulgada a pintura em que Puppy posava desembarcando de uma caravela do sr.Arquibaldo.
- E agora, Excência? - indagaram os pregoeiros - como vos explicais, se ficou claro que vossa era a bela e respeitável imagem de homem que saía da nau?
Puppy coçou a cabeça e em seguida respondeu:
- Acaso estaria eu, nobres senhores, a salvo de esquecimentos corriqueiros da natureza deste que tive? Nunca tivestes porventura um lapso de memória? Atire a primeira pedra aquele que jamais o tenha tido!
No meio de todos esses bafafás, a rainha, por sua vez, sempre que entrevistada vinha com evasivas do tipo:
- Não há nenhum indício de que o meu ministro esteja envolvido em irregularidades, mas na hipótese remotíssima de isto estar acontecendo os fatos serão apurados e as medidas cabíveis, tomadas - mas num tom de quem dizia: - Vão catar coquinho e me deixem passar, cacete!
Sua Majestade, também esquecida, negava que prometera uma verdadeira faxina ética por ocasião da queda de Afrânio Balote. Quando cobrada, dizia:
- Mas não há nenhuma necessidade de se proceder a qualquer faxina, se as coisas estão caminhando dentro da normalidade e da retidão - como se dissesse: - Não veem logo que eu tenho uma puta labirintite e que uma bosta de uma faxina ia me desestabilizar?!
2011
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