Barão da Mata - Verdades e Diversidades

Barão da Mata - Verdades e Diversidades
Assista aos meus vídeos em http://www.youtube.com/user/demostenesmb

domingo, 21 de junho de 2009

VOCÊ GOSTA DE SOFRIMENTO OU MORTE?

Você gostaria de levar um pontapé nas costelas? Ser perserguido, cercado, agarrado e levado para o martírio e a morte? Você gostaria de ser colocado ainda com vida dentro de um caldeirão de água fervente? Como se sentiria se lhe dessem para comer um alimento com chumbinho ou vidro moído ou qualquer coisa que o asfixiasse ou lhe dilacerasse as tripas? Regalar-se-ia em ser colocado num tubo sem oxigênio, onde mijasse e evacuasse de asfixia antes de morrer? Gostaria de que, por mero esporte, enfiassem no céu da sua boca um ferro afiado de aço e por ali puxassem o seu corpo? Não gostaria de que um "engraçadinho" perverso literalmente o fisgasse? Desejaria ser atropelado, contorcer-se longamente em dores lancinantes antes de morrer ou ficar despojado de um membro, ou tornar-se paraplégico ou tetraplégico? Quereria que seu filho o pusesse na rua, sem comida ou agasalho, para ficar à mercê da fome, dos carros, da sede ou de algum perverso que fizesse a "gracinha" de submetê-lo a maus tratos? Deleitar-se-ia se fosse objeto de caça, e uma bala fosse cravada em sua cabeça ou em uma articulação, e fosse acometido de muito sofrimento ou morresse?
Você não gostaria de nada disto? Tudo isto lhe doeria em demasia, ser-lhe-ia indescritivelmente penoso ou, no mínimo, no mínimo, o estarreceria de maneira inesquecível? Pois é, amigo, acredito: você não quereria nada do que eu disse para si. Então, meu caro, não queira também para as outras pessoas, porque é óbvio que não devemos desejar para os outros o que não queremos para nós. Entretanto, quando lembar-se de que não pode querer tantas desgraças para os outros, não se esqueça de não querê-las também para os animais. Isto porque neles a dor física e o sofrimento seriam tão grandes quanto seriam em você e nos outros, os tais outros humanos. Por favor, meu amigo, respeite os animais, porque eles são capazes de sofrer tanto ou mais do que você e, como todos os humanos, também têm o direito à vida. Não estou-lhe pedindo que os ame: se não consegue amá-los, pelo menos os respeite... e não os deixe ser vítimas de covardias.
Agora eu lhe suplico: diga isto tudo para os seus amigos. E peça-lhes que repitam para os amigos deles.



sábado, 6 de junho de 2009

O BÊBADO

Desceu do táxi às oito da manhã. Vinha bêbado da noitada, a gravata e o paletó dependurado num dos braços. Entrou no prédio com os passos trôpegos, pegou o elevador e chegou ao apartamento.Dentro da sala, jogou-se ao sofá, e o revólver que portava caiu da cintura. Tirou-o do sofá e colocou-o sobre a mesa de canto.
A cabeça rodava, os pensamentos mais velozmente ainda.
Lá fora crianças brincavam. Era uma manhã serena e morna de primavera. Babás e mães empurravam seus carrinhos com bebês, colhendo para eles o sol da manhã dourada. Os carros passavam sem estardalhaços pela rua de pouco movimento e pouca atratividade pelos seus quebra-molas. Algumas raras buzinas se ouviam, o trânsito na rua transversal era intenso.
Ficou a matutar sobre a vida e o porre que tomara. De que valia a esbórnia e um porre? Besteira! De que valia a vida? De que valia tudo?
Mulheres decotadas passavam pela rua, os olhos ávidos do porteiro do prédio as acompanhavam. Moças de saia curta cutucavam-lhe os desejos.
O bêbado tentou levantar-se em vão, caiu sentado no sofá. Já nem se lembrava do momento em que pagara o táxi. Mas quase com certeza o pagara, pois do contrário teria havido uma confusão dos diabos na entrada do prédio. Levou uma das mãos ao rosto e teve vontade de chorar: uma lágrima desceu-lhe do rosto suado.
Um carro deslizou suavemente pela rua de pouco movimento. Uma babá tirou a criança do carrinho e a pôs no colo. Um menino andava vagarosamente em sua bicicleta, sobre a calçada de colorido piso. Um passarinho pousou num ninho defronte a uma janela, sobre o galho de uma árvore frondosa. Um casal de idosos passeava de mãos dadas, uma mulher bonita e de vestido com transparências arrastava atrás de si os olhos do porteiro. Outro menino passou calmamente em sua bicicleta. Um outro passarinho procurou o ninho. O estampido do tiro mortal encheu a manhã serena, subitamente convertida em manhã de pânico e estupefação.

2008

O "SUICIDA"

Zeca sentou-se à mesa da quitinete pobre e quase sem mobília, a expressão imutável como a de um autômato, escreveu um bilhete:“Adeus, perversa. O remorso te acompanhará até o fim dos teus dias.”
Andou em passos lentos na direção da janela de oitavo andar, sentou-se no parapeito, uma das pernas para o lado de fora, e ficou a buscar em si coragem para atirar-se.
Em pouco tempo a rua se encheu de curiosos, e, como vindo do nada, um homem alto e forte arrombou a porta com um pontapé e adentrou a quitinete.
--Se você se aproximar, eu me jogo! – ameaçou Zeca.
O homem o conteve com um gesto de mão, mantendo-se afastado:
--Calma! Não faz isso. Não vou chegar perto. –Explicou: --Eu sou repórter e quero apenas registrar o fato. Só quero te pedir que não se jogue agora.
--Você tá querendo me ludibriar. – acusou Zeca .
--Não tô não! –continuou o outro a contê-lo com um gesto de mão
– Eu juro que não. Só quero te pedir calma, que fique quieto e não se jogue agora. – tirou com cuidado e vagarosamente o celular do bolso: -- Vou só ligar pro cinegrafista e o fotógrafo, que tão lá embaixo.
Não precisou: os dois chegaram tão logo o repórter acabou de mencioná-los.
Zeca fez um gesto de que ia se jogar, o jornalista voltou a acalmá-lo:
--Não, por favor, são eles dois, mas não vão se aproximar.
O infortunado obedeceu, o repórter voltou a avisar:
--Me deixa só ligar prá redação, pra ver se consigo anunciantes, patrocinadores pro evento.
O fotógrafo fotografava, o cinegrafista filmava, o outro conversou rapidamente com alguém ao celular, voltou-se para o infeliz:-
-Vamos fazer o seguinte: você me dá uma entrevista antes de se atirar?
Zeca deu de ombros, o ar sempre tristonho:
--Por que não?
O telefone do jornalista tocou, este disse a alguém do outro lado:
--Ah, ótimo! Pode deixar que eu vou anunciar. – desligou, voltou-se novamente para Zeca: -- Pois bem, meu nome é Orlando Abutre, e o seu?
--José das Virgens.
--Muito bem, então vamos começar a entrevista.
Começar a entrevista àquela altura uma ova! Porque mais uma vez Orlando Abutre houve que pedir a Zeca para não cometer o ato fatídico, já que uma multidão de fotógrafos, cinegrafistas e entrevistadores invadiram o cômado, e iniciou-se um clima de balbúrdia:
--Epa! A matéria é minha, eu cheguei primeiro e vou noticiar em primeira mão.
--Primeira mão uma pinóia! Eu também tô nessa!
--Sai da frente, que a foto é minha!
--Uma merda que saio!
--Briguem à vontade, que eu é que noticio.
--Você que pensa.
--Sai daí!
--Não saio!
--Vocês também! Fora daqui!
--Fora daqui o cacete!
--Qual é a tua?!
--Qual é a de vocês?!
--Vão à merda vocês todos!
--Quer levar porrada?
--Não tô vendo homem.
Zeca soltou um berro:--Vamos organizar essa porcaria?!!
Os outros ficaram perplexos e calados, Orlando propôs:
--Cada um tira uma foto de cada vez, cada um faz uma pergunta de cada vez. Antes de ele se jogar, cada empresa jornalística chama mais um fotógrafo e um cinegrafista pra ficarem lá embaixo, filmando e tirando fotos da queda, enquanto aqui dentro cada um dá espaço pro outro filmar e fotografar de bom ângulo.Os outros concordaram, foi pedido a Zeca que aguardasse os profissionais extras, e ele aceitou.
A entrevista começou:
--Por que você deseja se matar?
--Porque a Gertrudes me deixou.
--Quem era a Gertrudes?
--Era minha mulher.
--E por que ela te deixou?
--Por causa do vizinho do 506.-
-Você tá muito triste com isso?
--Não...! –- ironizou Zeca – Vou pular de pura alegria.
Neste momento entrou no apertado cômado um político de oposição ao governo federal.
--Vejam, senhores espectadores – anunciou um dos repórteres --- acaba de chegar aqui o deputado Faustino Contrário, que pede calma ao José das Virgens e consegue se aproximar.
O deputado se vira para as câmeras e observa, apontando na direção de Zeca:
--É preciso que entendamos que esse homem que aí está, se neste momento quer-se atirar do oitavo andar, é pelo fato de ser mais uma vítima do caos social predominante neste país. Notem que é alguém sofrido, pobre e que é levado a esse ato extremo pela dificuldade de subsistir com dignidade dentro da política econômica do governo...
--Mas eu só vou me matar porque a Gertrudes me deixou. – interrompeu-o o abandonado.
--Mas se você fosse rico ela não te deixava – retrucou o político, insistindo em sua tese.Adentrou também subitamente um deputado do partido do governo, de nome Aldo Sá Fado.
--Ouvi, minha gente, o discurso demagógico e mentiroso do colega Faustino Contrário, e quero provar que esse homem é rico... mais que rico, milionário!--E por quê? – indagou Faustino, incrédulo.--Ora, francamente! – respondeu Sá Fado – Não sabe Vossa Excelência que o pouco com Deus é muito?
Entraram outros políticos fazendo campanha. Que confusão dos diabos!
--É para acabar com a injustiça social e com os suicídios que eu peço o seu voto.--Sou trabalho, luta, honestidade: vote em mim.
--Sou o defensor dos maridos traídos: preciso do seu voto.
Um outro candidato já até tentava convencer Zeca a suicidar-se após as eleições, porque lhe queria o voto, mas ele foi irredutível. Os telejornalistas seguiam na cobertura do iminente suicídio.
--Esse suicídio tem o patrocínio das “Casas Xondas” e do “Pranto Frio Bundão”.
--Atenção! Está aqui conosco o cantor e compositor Sumidinho, que veio prestar sua solidariedade ao nosso futuro suicida. Tudo bem, Sumidinho?
--Tudo bem. Tudo bem, minha gente?! Tudo bem, minhas fãs?! – e pediu licença a Zeca para acenar para um bando de mulheres que soltavam gritos histéricos lá embaixo.
A entrevista com o cantor continuou:
--Algum CD novo no mercado?
--Tenho sim. Aliás, CD não, um LP gravado em 1975, o meu trabalho mais recente, o que tem a canção romântica “Cueca Manchada de Amor”. Mas eu queria também divulgar uma composição que nem sequer foi gravada, porque foi feita pra esse pobre diabo que quer se atirar da janela, e eu quero apresentar esse trabalho em primeiríssima mão.
--Muito bem, -- dizia Orlando Abutre – pois então vamos a ele.
A um assovio de Sumidinho, a sua banda surge em cena com os instrumentos.A turba, lá embaixo, começa a se manifestar, e Orlando Abutre chama a atenção dos telespectadores:
--Veja só, minha gente, a solidariedade dos populares lá embaixo.
Enquanto a multidão grita:
--Pula! Pula! Pula! Pula! Pula!
A introdução da canção de Sumidinho, um "funk", e ele principia a cantar:
“Pula logo, sua besta,
que a gente quer te ver voar.
Pula logo, seu palhaço,
que a multidão quer te ver se arrebentar.
Pula logo, "indiota",
que nós quer se alegrar.
Pula logo, seu covarde,
Que nós quer se emocionar.
Pula logo, seu bundão:
Quero ver teus pedaços no chão.
Pula, fresco, se te manca,
Não faz de palhaço a televisão.”
E repetia toda a primeira estrofe, assim terminando.
Terminada a apresentação do cantor, os presentes àquele lugar vêem com estranheza no rosto de Zeca um sorriso e um ânimo até então por eles desconhecido.
--Gente, quanta solidariedade!... –- embevecia-se o coitado – Quanta honra! Quanto orgulho de mim!...Sorriu largamente e disse:--Não dá nem vontade de morrer...
Entreolharam-se os jornalistas, Sumidinho e os políticos, todos pegos por grande surpresa.
--Quer dizer -- considerava Orlando Abutre com os outros repórteres – que nós estamos transmitindo um suicídio que não vai acontecer? Transmitimos ao vivo e a cores o que não aconteceu?
--É verdade... –concordavam.
Seguiu Orlando:
--E os anunciantes, os patrocinadores? Patrocinaram um acontecimento que não aconteceu?
--É...
Faustino Contrário também deduziu:--Eu fiz campanha em cima de um fato que não foi fato.
--Eu também. – balançou a cabeça outro político, inconformado.
--E eu. – também um terceiro.
Tornou Orlando:-- Se o acontecimento não acontece, como vai ficar a credibilidade da emissora perante os patrocinadores? E perante os telespectadores, que vão ficar extremamente frustrados?
Lastimava-se também Sumidinho:--E eu? Como vou gravar uma música sobre um fato real que não se deu?
Zeca, alegre, risonho, decidia-se:
---É isso mesmo! Não vou mais me matar. – e foi até a janela, de onde voltou-se para a turba:
--Vão tirando o cavalinho da chuva! Não vou mais pular, seus comedores de carniça!
E a turba gritava "pula", e os repórteres, os políticos e o cantor se entreolhavam, compenetrados, silenciosos.Entreolhavam-se, não diziam palavra, pensavam, pensavam, pensavam...
Olharam-se mais firmemente, num estalo de decisão, e aproximaram-se da janela.--Vejam, espectadores, como ele se joga! – ainda anunciou Orlando Abutre.E ajudou os outros no empurrão a Zeca, que estatelou-se no chão para a felicidade de todos.

fim

1999

SALU, O POLICIAL AZARADO

O detetive Salustiano tinha pela frente uma missão espinhosa: era preciso desbaratar a quadrilha do Ruindade, que era senhor supremo do Morro da Fome, onde vivia a traficar livremente as suas drogas: dvd's de novelas, de discursos do Lula, de seriados de tevê americanos, “funk”...
Ruindade governava o morro com mão de ferro e o auxílio de inúmeros meliantes. Para auxiliá-lo em sua “gestão”-- que, aliás, pretendia eterna – contava com o Conselho do Qualé, uma espécie de assembléia de bandidos que debatia e aprovava as diretrizes do chefão.As “sessões” do “conselho” eram bastante simples:
--Aí, malandragem, o papo é o seguinte: -- vociferava uma espécie de coordenador dos trabalhos de votação – vacilou, sífu! Falô?
--Falôôôôô! – a “assembléia” aprovava em coro.
Ou então:
--Aí, galera, a parada é a seguinte: não gostou, não concordou, a gente "passa". Falô?
--Falôôôôô! – ninguém era bobo de discordar.
Ou ainda:
--Seguinte, malandragem: o chefe "quereu", o malandro dançou. Falô?
--Falôôôôô!
A violência já se tornara rotineira, os tiroteios aconteciam com impressionante freqüência, a quadrilha cobrava altos “impostos” e “pedágios” dos moradores para que eles apenas pudessem circular em seu próprio bairro, e a população era mantida naquela constante infelicidade.
--Que mais poderíamos esperar – reclamavam à boca pequena alguns insatisfeitos – se bandidos conduzem nossos destinos?
E este é o panorama que encontrou o investigador Salu, que instalara-se incógnito no morro, alugando um barraco para moradia durante a missão.
Já presenciara algumas vezes, sem nada poder fazer, certas cenas de extrema perversidade. Uma delas se deu com uma velhinha, que, sem dinheiro para o pagamento do “pedágio”, caminhava amedrontada por aqueles becos periculosos. Não podendo conter o medo, a pobre, após quase meia hora por aqueles caminhos, dirigiu-se à casa de dona Isolda, matrona esotérica de alto gabarito.
Espírita, protestante, ocultista, católica, adivinha, Isolda era a guru espiritual daquelas bandas. A vidente concentrou-se por alguns momentos, indicou:
--Desenhe uma estrela-de-Davi na testa.
--Mas, senhora...
--Não discuta! Desenhe uma estrela-de-Davi na testa.
A velhinha obedeceu. `A medida em que ia fazendo o desenho diante do espelho, ia-se tranqüilizando. Quando terminou, observou:
--Gozado! Agora não sinto mais medo.
A vidente sorriu:
--O símbolo espanta os maus fluidos. Agora vá em paz.A velhinha agradeceu, saiu sorridente e serena, fechou detrás de si a porta da casa da religiosa, caiu durinha com um balaço bem no meio da testa.
--Bem na mosca! – vangloriou-se da própria pontaria um bandido que treinava tiro-ao-alvo – Minha mira é infalível.
Tão cruéis quanto o Ruindade eram os julgamentos que realizavam por ali. Os trangressores das leis do chefão eram conduzidos a uma espécie tribunal-quartel-general-esconderijo, e as sentenças eram, quase em sua totalidade, de morte. Um julgador vestido de preto, usando sobre as vestes uma enorme capa preta com uma estampa de caveira, além de um martelo improvisado (em que o cano do revólver era o cabo do martelo), batendo sempre a coronha na mesa, executava o seu “trabalho” com incrível rapidez. Quando punham diante dele o “réu”, este sempre sob a mira de uma ou mais armas, a coisa transcorria numa celeridade impressionante. Indagava o homem da capa preta:
--O que fez o sangue-ruim aí?
--Vacilou.
--Cerol nele!Levavam o infeliz para um canto do salão, queimavam-no vivo.
--Não suporto esse cheiro de carne queimada. – vez por outra o que julgava comentava.
Assumir as funções de julgador era algo que envolvia riscos, expunha às vezes a própria vida do mesmo, tanto que de vez em quando um morria quando batia a coronha na mesa, com um disparo acidental da arma.
Era preciso desbaratar aquela quadrilha que mandava e desmandava no Morro da Fome. Para começar, entretanto, a desmantelá-la, fazia-se necessário prender o seu líder, e de maneira astuciosa, já que este raramente se expunha. Um embate frontal era inviável. No último que houvera, a desvantagem da polícia fora incrivelmente gritante. Os policiais, armados de paus, pedras e estilingues, tentavam atingir os bandidos, que do alto do morro os alvejavam com granadas e balas de metralhadoras e fuzis AR-15. Não ficou um policial vivo, e aquele "status quo" continuou: aquela gente era governada por bandidos!Após algum tempo de investigação e de descobrir onde o bando se escondia, Salu ficou certa noite na espreita, armado, disposto a pegá-los de surpresa, quando os meliantes estivessem dormindo. Acordaria-os com arma apontada, rendendo-os sozinho e heroicamente. Levou horas para aproximar-se do Q.G. e o fez com todo o cuidado, com passos leves, cautelosos, e conseguiu chegar a tal ponto perto dos facínoras, que ouvia roncos nos cômados onde eles dormiam. Tudo teria corrido bem se não tivesse tropeçado num gato preto, que fez uma gritaria desgraçada e derrubou latas e quebrou garrafas por onde arrepiou carrreira. As luzes do Q.G. se acenderam e o pouco sortudo Salustiano teve de copiar o gesto do gato, perseguido pelos tiros e pelos fora-da-lei.
Na segunda oportunidade, esta uma chance de ouro, pois o Ruindade, incauto como raramente, andava tranqüilo e sereno por entre as ruelas do morro. Salu seguia-o à distância e, sem ser ouvido ou notado, ia-se aproximando... aproximando... preparando o bote em que renderia o criminoso. Quando estava bem perto, todavia, deu o azar de pisar numa buzina abandonada, dessas de padeiro, com som que se emite a partir da fole de borracha. A buzina tocou e Ruindade já se virou atirando, e o investigador precisou pular de um pequeno penhasco, e caiu num lugar que ficava fora da vista e da mira do marginal, não sendo feliz por inteiro porque era um pequeno quintal onde havia dois ferozes cães da raça "pitt-bull". Correu com os cachorros em seu encalço e foi obrigado a executar outro salto de um outro pequeno abismo, caindo desta vez sentado sobre um canteiro repleto de pés de cacto. Foi doloroso e deprimente o nosso baluarte da lei correndo, pulando e gritando de dores nas nádegas crivadas de espinhos.
Após as duas frustradas tentativas, a maneira mais indicada que encontrou para continuar a sua empresa foi tentar infiltrar-se no bando, a princípio como uma espécie de missionário evangélico, pastor salvador de almas, coisa assim. Então, barbeou-se com esmero, trocou suas roupas desleixadas por um terno impecável, colocou no rosto um par de óculos e penteou os cabelos repartindo-os e formando um topete. Colocou uma bíblia sob o braço e rumou para o esconderijo.Não contava, porém, com o fato de que Ruindade, naquele exato momento, estava  reunido com seus comparsas e a dar-lhes instruções:
--Deve me procurar hoje por aqui, pra receber uma grana, um malandro que eu não tô nada sastisfeito com ele. Ele fazia uns contatos pra mim, recebia bagulho na fronteira, mas eu acho ele um pouco esperto demais, tá ligado? Ele vivia de contos-do-vigário, prestou alguns serviços pra mim, mas eu soube que andou me roubando. Por isso, quero que vocês "passa" o cerol nele, tá legal ?
--Quem é o cara? – quiseram saber.
--O Mauricinho, vocês conhecem?
Ninguém conhecia.Ruindade o descreveu:
--É um alto, moreno claro, anda sempre de terno, na maior beca(!), e usa óculos, cabelo repartido e anda sempre com uma bíblia embaixo do braço.
O chefão deu as instruções e despediu-se com um "tô saindo". Mal saiu, ouviram-se três pancadinhas na porta e entrou Salu saudando os sujeitos:--Que a paz do Senhor esteja convosco...
A resposta foi o levantamento dos fuzis e das metralhadoras, o bastante para o policial meter sebo nas canelas.
--Mata esse malandro! – ainda ouviu antes de os tiros espoucarem.
Corria por entre os becos, escondendo-se, os bandidos em seu encalço. Encontrou uma janela aberta e pulou por ela para dentro da casa, caiu sobre a cama de uma morena de incendiar a carne, que dormia vestida apenas de uma camisola transparente.
Ela acordou num sobressalto:
--O que é isso??!
Ele tapou levemente a boca da mulher:
--Por favor, não grite: eles tão querendo me matar.
--Eles quem?
--Os homens do Ruindade
.--Do Ruindade??
--É! Por que o espanto?
--Porque eu sou a mulher(!) do Ruindade.
Salu moveu-se para voltar a pular a janela, ela o segurou:
--Calma! Mas eu vou te ajudar! – e o conduziu até um outro cômado, do lado oposto da casa, indicou uma outra janela para o policial pular, mas antes de ele fazê-lo a janela se abriu e surgiu um brutamontes, que no primeiro momento sorriu para a mulher:
--Querida... – mas ao perceber a presença de Salu, tornou-se ruborizado e furibundo: -- Sua desgraçada!! Você me trai!!
Partiu para a direção do detetive, e surrou-o com uma fúria pra corno violento nenhum botar defeito. Enquanto Salustiano apanhava, Sônia, a morena, se vestia com incrível rapidez, e parecia que o grandalhão nem sequer a via. Quando terminou de se vestir, foi até embaixo da cama, pegou um penico de ágate e sapecou na cabeça do agressor. O brutamontes caiu nocauteado, Sônia voltou a puxar o investigador pela mão, os dois agora conseguiram pular a janela e sair correndo.
--Mas você não é mulher do Ruindade? – indagou Salu enquanto corriam.
--Você nunca viu uma mulher ter amante? – ela esclareceu.
Foram acolhidos por dona Isolda, a médium católica, protestante, kardecista, macumbeira, sei lá que mais, que, após dar-lhes água gelada e deixá-los relaxar, ouviu toda a história e explicou a Salustiano:
--Forças astrais negativas vivem acompanhando você. Você não pode vestir qualquer cor, tem que só usar seja branco – enfiou-lhe pela cabeça vários cordões de contas, de aço e ainda uma enorme figa – e usar toda essa proteção. Além disso, deve raspar a cabeça, deixar crescer o bigode e a barba, para afastar de si os espíritos inferiores que se mantêm em seu derredor por acharem você parecido com eles quando tinham os corpos físicos.
O investigador acatou as orientações da esotérica, sobretudo porque precisava não ser reconhecido pelos homens do traficante, o que lhe permitiria mais uma vez tentar infiltrar-se na quadrilha.Sônia mudou-se para um bairro distante, onde passou a receber quase diariamente a visita do obsediado (ou ex-obsediado). Queixara-se a princípio de ele haver-lhe complicado a vida com aquela involuntária indução do seu ex-amante ao equívoco, mas, após muitos pedidos de desculpas e demonstrações de elevação moral do detetive, acabou foi na cama com ele, numa esfregação gostosa como o quê.
Só uma coisa ficara a martelar na cabeça de Salu: como aqueles bandidos ficaram sabendo quem ele era e a que vinha? Mal sabia ele que jamais fora descoberto por eles, mas apenas vítima de uma infeliz coincidência.
Mais problemas, no entanto, ainda estavam por vir. Numa bela tarde, o meliante Ruindade, entristecido, comentava com seus cúmplices sobre o abandono da bela Sônia:
--Ela sumiu assim, de repente, sem quê nem porquê. E olha que eu gostava daquela danada! Ela não tinha motivo pra me deixar... Não consigo entender... Só se foi macumba... É isso mesmo: macumba... É isso mesmo! –exaltou-se – Macumba! Só pode ter sido macumba! –Virou-se para os companheiros, num estalo de decisão: -- O primeiro de vocês que matar um macumbeiro, vai ganhar uma grana preta! Tá prometido! Uma grana preta pra quem matar um macumbeiro.
Dois dias depois, o nosso representante da lei, já com a barba crescida, a cabeça raspada e os seus balangandãs, tomava uma pinga numa birosca do morro, quando um dos malfeitores o avistou e gritou já com a arma em punha:
--Oba! Um macumbeiro!
Salu, com o copo na mão, não teve tempo de sacar o seu revólver. O único ato que lhe ocorreu foi jogar em cima do sujeito o resto da pinga que bebia. O sujeito largou a arma e levou as mãos ao rosto molhado pela cachaça, caiu e ficou a urrar e a contorcer-se de dor. Uma semana depois, o malfeitor era visto por Sônia na porta de uma igreja, bengala, óculos escuros e chapéu estendido, cego, rosto marcado por queimaduras e a pedir esmolas.  Que cachaça aquela do Salu, não?!
O policial não entendia. Quem o estava traindo? Dona Isolda? Sônia? Que diabos!E antes de conhecer as duas, quando se vestira de apregoador evangélico, quem o traíra? Ora, que diabos! Não! Definitivamente não podia confiar em ninguém! Por isto sumiu do alcance dos olhos das duas mulheres, não lhes deu mais notícias e a idéia de um novo disfarce iluminou-lhe a mente: mulher! Isso mesmo! Um disfarce de mulher! Peruca loura, vestido comprido, meias de náilon, batom, busto falso, "blush" para disfarçar a marca da barba e do bigode raspado e pronto! Aproximar-se-ia do traficante, seduzi-lo-ia e, na hora de os dois se despirem, poria a arma em punho e a apontaria contra a cabeça do infame. Não havia como dar errado.
Mas deu. No dia em que encontrou Ruindade próximo ao seu Q.G. e ficou a lançar-lhe sorrisos e olhares concupiscentes, o malfeitor franziu a testa apurando a visão e disse:
--Tu não é mulher nada! Tu é um travesti! Tu é a Monique, traveco da Lapa que um dia me entregou à polícia... – e voltou-se para os seus homens: -- Fogo nele, moçada!
Não é preciso dizer que mais uma vez o nosso bravo investigador teve de correr por aqueles becos, perseguido pelas rajadas, tiros e por um monte de delinquentes.
Após safar-se, recolheu-se em casa, transtornado, ficou longos momentos a refletir. Repentinamente levantou-se, resoluto, arrancou peruca e vestido, procurou a arma na cintura e descobriu que a perdera. Mas não desistiu. Saiu andando em passos rápidos, sem peruca e com o rosto ainda maquiado, além das meias-calças sob o short. Andou com passos rápidos, firmes e decididos, chegou até o quartel-general e, antes de abrir a porta com um pontapé, gritou:
--Ruindade! Seu filho da p...! Sou Salustiano da Silva, policial! Entendeu bem: policial! E vim te prender!
Entrou. Passou por todos os outros facínoras, que ficaram a olhar para ele quedados, incapazes de qualquer gesto... de qualquer ação. Postou-se diante do líder, que também o olhava boquiaberto.
--Vou te encher de porrada, seu filho da p...!!!
E desceu o cacete no malandro.
Ruindade foi recolhido ao xadrez. Julgado e condenado, foi transferido para uma penitenciária de segurança máxima.O ato heróico de Salu tornou-se o ato de maior vulto já conhecido no Morro da Fome.
Alguns meses depois, um homem passava um recado a outro:
--O chefe tá chamando.
O homem chamado correu, atropelando tudo o que havia à sua frente, temeroso de que o tal chefe se irritasse pela espera. Tanto ele quanto o que o chamara haviam sido capangas do Ruindade. Entraram ambos na fortaleza que pertencera ao agora presidiário, colocaram-se respeitosa e reverentemente diante de um elegante e altivo Salu, que, de braços dados com a gostosíssima e não menos elegante Sônia, principiou a dar as suas ordens:
--O negócio é o seguinte: eu quero que vocês passem o cerol num mané que andou vacilando....

fim

Escrito em 1996, atualizado em 2010

DIJA

DIJA

Entraram no quarto de motel, ela foi logo se despindo, deixando à mostra os seios túmidos de auréolas marrons, as nádegas salientes e provocantes, as coxas morenas e lisas, a vulva carnuda de pelos rentes.
--Você é rápida. – ele observou quase numa queixa.
--Sou profissional, -- a mulher respondeu secamente e de pronto – não sou sua amante.O homem sentou-se na cama e ajeitou os cabelos grisalhos caídos ao rosto, ironizou-a:
--Esse teu jeitinho “doce e sensual” dá na gente tesão de ir embora, de rezar, de ler,menos de foder.
--Isso é desculpa tua, porque tu é velho e tá bêbado, e sabe que vai broxar.
Ele riu-se de leve, deu-lhe a mão e ambos foram para o banho.Buliram-se no chuveiro, a morena colocou-lhe o preservativo e os dois transaram ali mesmo.
--Viu como eu não tô tão bêbado? – ele dizia com algum gracejo.
--Vi que você não é tão broxa. – ela redargüia também gracejando.
Os dois se deitaram abraçados, ele colocou a cabeça da moça em seu peito, indagou enquanto acendia um cigarro:--O que levou você a parar nessa vida?
Ela apoquentou-se, erguendo a cabeça:
--Vai dar uma de babaca e ficar me dando conselho?
Ele fez um gesto de indiferença:
--Nada! Cada um faz da sua vida o que quer. Só perguntei por curiosidade.
--Qual é o seu nome? – ela quis saber.
--Raul. E o seu?--Me chama de Dija.
--Dija? Qual é a origem desse nome?
Ela sorriu:
--É meu nome abreviado...
--E qual é o teu nome inteiro?--Dejanira... Maria Dejanira... Mas eu prefiro que as pessoas me chamem de Dija porque é mais bonito.
--Eu também acho.
--Mas eu já tô adotando outro nome... um internacional! Muito mais bonito!
--Ah, é?--Eu agora, quando faço “strip-tease”, já uso esse nome artístico. Adotei esse nome porque, há mais ou menos um mês, um gringo que me comeu ficava, enquanto fodia, o tempo todo doidinho e me dizendo no ouvido: “wonderful bitch... wonderful bitch!”
Raul ria achando muita graça:
--Porra, deixa de ser burra! “Bitch” é cadela, cachorra, nome que no inglês designa prostituta, vagabunda, puta... Ele te chamou de puta maravilhosa, cadela magnífica, só porque tava gostando da foda, ora!
A mulher se viu decepcionada com o gringo e o codinome:
--Que filho da puta!
Ele a consolava:
--Não tem problema: adota só o “wonderful” e tá tudo bem. Você tira “cadela” e fica só “magnífica”, tá?
--É verdade. Até que ficou bom: Wonderful, -- empostava a voz para experimentar -- a grande Wonderful!
Raul franziu a testa com certa estranheza:
--Você gosta da profissão que tem?
--É o que melhor eu sei fazer.
--Mas me responde: você gosta do que faz?
Ela tinha um olhar distante:
--No começo, eu ficava com medo, sentia nojo, mas depois perdi o medo e o nojo. Hoje eu gosto de ser puta.
--Verdade?
--Eu sou um sucesso. A maioria dos homens me procura, eles ficam maluquinhos de tesão comigo. Eles me aplaudem quando eu faço “strip-tease”, os gringos vibram comigo... e eu me sinto gratificada... E eu nasci muito pobre... e as pessoas nunca ligaram muito pra mim antes de eu ser puta.
Agora o olhar dela estava impregnado de tristeza:
--A minha mãe também foi da vida. Fazia ponto num mafuá que ficava na Praia de Ramos: o “Bambu”, você já ouviu falar? O Bambu de Ramos...
--Não, nunca ouvi falar...
--Só conheceu o Bambu quem mora no subúrbio. Eu mesma morei mas não conheci, acho que era muito pequena quando acabou, não me lembro. Contavam que a minha mãe era muito bonita, os homens só queriam saber de foder com ela: era Maria da Conceição, a “Rainha do Bambu”.
--Ela já morreu?
--Morreu. Em 1986. De câncer...
--Ela ainda tava na vida?--Nada! Ela já não era mais bonita
"Eu nasci em 73. Não sei quem foi meu pai; minha mãe emprenhou na vida. Ela foi prostituta, mas eu acho que não queria que eu fosse. Mas ela não se sentia com moral – sabe? --, coitada(!), pra me dizer que não queria que eu fosse puta.”
“Quando o Bambu acabou, ela passou a me deixar na casa de vizinhas pra ela poder ir prá Tiradentes. Ela era do Sergipe e a gente não tinha nenhum parente no Rio, eu tinha que dormir nas casas das vizinhas."
“Aí minha mãe foi ficando velha, feia, e acabou vendendo bala nos ônibus. Quando eu tinha oito anos, ela ainda era da vida, mas não queria que eu soubesse. Ou melhor: ela sabia que eu sabia, mas fingia que não sabia, entende?”
“Quando eu tinha treze anos, ela morreu, e eu não sabia o que fazer da minha vida. Fui empregada doméstica, mas o marido da minha patroa me comeu à força, fui jogada na rua, dormi muito na rua, fui comida à força outras vezes, outras vezes dei pra ter o que comer, outras vezes dei por prazer. Aí fui parar na Tiradentes. Alguns caras se interessavam por mim: um me levou prá Mimosa. Outro, me levou pr’uma termas de Campinho e, de lá pra cá, de termas em termas, boate em boate, inferninho em inferninho, eu tô aí, fazendo sucesso, em Ipanema, Copacabana, Leblon... ‘rainha’ dos puteiros!”
Raul a encarou longamente, quis dizer alguma coisa, mas calou por medo de parecer paternal. Brincou, então:
--Você me achou com cara de psicanalista?
--Desculpa, amorzinho... Te enchi muito?
--Não...—ele sorriu com doçura.
--E você?! Agora é tua vez! Conta o que é que tu faz na vida!
--Eu sou engenheiro, tenho uma firma de engenharia em Botafogo.
--Qual a tua idade?
--Cinqüenta e cinco.
--É casado?
--Sou.
--E o que é que você foi fazer num puteiro?
Raul tomou as mãos dela nas suas e falou de maneira pausada, olhos nos olhos da moça:
--Me responde uma coisa, gostosinha: e o que faz alguém dentro de um casamento?Ou dentro dos padrões preestabelecidos pelas suas relações sociais e profissionais? Você sabia que já me relacionei comercialmente com muito empresário safado, administrador público desonesto, político escroto, além do que não confio na minha mulher e há muita gente suja com quem lido por obrigação social. Então eu te pergunto: em que a sociedade é mais elevada que um bordel?
--Não sei. -- ela não o entendia bem. Depois queria saber:--Você frequenta sempre os puteiros?
--Não, não frequento, não vou nunca. Mas hoje eu mandei tudo à merda, tudo se foder, e tô aqui, de porre, na cama, com você. – e repetia: -- Que tudo se foda! Que tudo vá prá merda! Não creio mais em nada, tô cansado de tudo... Tô com o saco cheio de tudo! Que tudo vá prá merda!
Em seguida os dois se entreolharam, ficaram assim por alguns momentos e depois riram um para outro.
--A gente veio aqui pra foder ou pra conversar?—ele perguntou numa galhofa.
Dija deu uma gargalhada franca, saborosa, e os parceiros se agarraram avidamente. Quando amanheceu, banharam-se e ela se vestiu rapidamente.
--Quer uma carona até a sua casa? – Raul perguntou.
--Não precisa, eu moro aqui por perto, num apartamento com umas colegas.
Ele calçava os sapatos, ela avisou:
--Vou embora antes de você. Você se incomoda?
--Não. – o homem não se importava.
Dija abriu a porta que dava acesso ao corredor , ia saindo quando ele a chamou:--Dija?...
Ela parou à porta do quarto, ele se levantou e caminhou até diante da moça:
--Seja feliz. –despediu-se beijando-lhe a testa, numa ternura comovida.
Ela sorriu com a mesmo afeto, desvanecida, os olhos umedecidos; beijou o rosto dele e se foi, meiga, suave... afável e frágil menina.


fim

1997

JOSENILDO, O INFELIZ NO AMOR

Josenildo jamais fora, ao menos por muito tempo, feliz no amor, e era, talvez por isto mesmo, um eterno apaixonado, louco por viver um romance de plena entrega, vulcânicos desejos, irremediável apego, idolatrias medievais, juras trovadorescas. Vivia a buscar uma cara-metade na acepção mais romântica da expressão, nunca fora, ou ao menos achava que nunca fora, amado pela maioria das mulheres que tivera.
A primeira namorada o traiu com o irmão dele, e isto fez que Josenildo adquirisse especial interesse por boleros. A segunda namorada disse não quando pedida em casamento. A terceira recusou-se a ir para a cama com o pobre, a quarta foi, mas rompeu o namoro no mesmo dia, fazendo-o tornar-se fã do Wando, e assim o desamado foi levando sua triste vida.
Entre tantas decepções, houve uma namorada com quem dormiu inúmeras vezes, com quem noivou, montou o enxoval e que não compareceu no dia do casamento. Aí, o sujeitinho descolou em algum sebo de discos um vinil com “O Ébrio”, de Vicente Celestino. Houve uma com quem chegou a se casar, mas foi obrigado a pedir o divórcio, pois, num dia em que voltara para casa mais cedo do trabalho, encontrou o vizinho em sua cama, a comprazer-se dos carinhos e volúpias de sua mulher, e, o que é pior, ainda a usar-lhe a cueca, que estava enrolada em uma das pernas. Foi um dia dramático: Josenildo gritou, possesso, ainda da porta do quarto:
-Vagabunda! Desgraçado!
Nada conseguiu dizer o vizinho senão:
-Deixa só a gente acabar esta transa, que eu vou embora.
E ela:
-Não se preocupe. Se você ficar quietinho, eu concordo com a separação amigável.
Num dia de relativa sorte (e vocês logo vão entender por que relativa), nosso coitado apaixonado acabou na casa de uma mulher casada que mal conhecia. Ela lhe fez juras de amor, os dois se acarinharam licenciosamente, e ele tinha as calças à altura dos joelhos quando ambos ouviram um barulho e ela disse:
-Meu marido!
Josenildo levou a mão à boca, estarrecido, a mulher jogou-lhe a camisa e murmurou, apavorada:
-Pula a janela, que dá tempo!
Ele levantou rapidamente as calças, foi fechá-la... mas prendeu o zíper no prepúcio! Fez um escândalo daqueles(!), não correu e levou cinco tiros na bunda.
Uma mulher apaixonou-se por ele verdadeiramente. O relacionamento evoluiu de forma meteórica. Foi uma perdição de amor, e os dois se casaram em dois meses. Jamais Josenildo fora tão feliz. Era aquele fogo queimando os dois constantemente, aquela entrega total e absoluta, aquele amor perfeito, aquela emoção a todo instante. Todos os dias o marido chegava em casa com flores e, num belo fim de tarde, introduziu a chave na fechadura, chamou pelo nome da moça e não ouviu resposta: entrou. Encontrou-a deitada no sofá, morta. A pobrezinha era cardíaca e seu coraçãozinho não aguentou tanta emoção a todo momento.
Desolado, o nosso mal-afortunado amante ficou um longo tempo em total solidão, até que, numa tarde de sol, conheceu Mariana, linda e gostosa morena, que fez do peito dele uma profusão de vendavais.
-Você me ama? – ele sempre queria certificar-se.
-Amo. Preciso de você como do ar que respiro.
Submeteu-a a todas as provas de amor e fidelidade, em nenhuma a morena tirou nota baixa.
-Você não está doente? Não tem Aids, coração fraco, nenhuma doença grave?
-Não! Estou perfeitinha para você!
Fê-la realizar uma série de exames, um check-up acuradíssimo: eletrocardiograma, ecocardiograma, teste de esforço, anti-HIV, sorologia, colesterol, glicose, triglicerídeos e uma pá de outros exames. Resolveu ele próprio fazer uma completa averiguação clínica. Tudo estava bem com ambos.
-Você quer casar comigo? – perguntou à namorada.
-É o que eu mais quero.
Josenildo era a cada dia mais inseguro:
-Você jura que não vai me trair?
-Juro que não.
-Jura que vai ter prudência quando dirigir?
-Juro.
-E quando atravessar também?
-Claro que juro!
Fez que ela aprendesse jiu-jitsu e a atirar. Presenteou-a com uma arma para autodefesa. Cercou-a de proteções.
-Você não vai me abandonar?
-Já te disse que não!
- Você já não é casada?
- Claro que não, seu tolinho...!
Marcaram o casamento.
A cerimônia matrimonial foi memorável. Os convidados lotaram a igreja.Fizeram a festa num clube, encheram-no de gente. Josenildo era o homem mais feliz do mundo, e achou que só com um bom porre proporcionaria uma comemoração à altura do acontecimento. Bebeu todas e mal conseguia andar.
No fim da festa, onde ficou até a saída dos últimos convidados, despediu-se dos padrinhos pela terceira vez enquanto Mariana e o motorista esperavam dentro do carro.
-Eu sou o homem mais feliz do mundo.– disse num último aperto de mão.
E encaminhou-se para o carro, eufórico, cambaleante, ergueu os braços e gritou:
-Eu sou o homem mais feliz do mundo!
Desequilibrou-se, caiu para trás, batendo fortemente a nuca no meio-fio da calçada.
Nunca se viu uma viúva tão inconsolável como Mariana.

fim

1998

JONAS, O SALAFRÁRIO

Jonas já nasceu salafrário. Ainda no berçário, sempre desandava a chorar. Não porque tivesse febre, fome ou dor de barriga. Fazia-o apenas para que a enfermeira, que usava uniforme decotado e dispensava sutiã, se debruçasse diante dele e lhe permitisse ver os seios. Aos dois anos, na creche, vendia leite falsificado, feito com água e farinha de trigo, às outras crianças, recebendo o pagamento em balas ou doces. Colocava maracujina no suco de laranja das coleguinhas e aproveitava-se do sono dessas para pintar-lhes os rostos com tinta guache.
Quando entrou para a escola, procurou sentar-se na primeira fila, bem diante da mesa da professora. Não que fosse aluno aplicado , interessado nas aulas, mas porque ela se descuidava vez por outra ao sentar-se , abrindo as pernas sob a mesa, o que dava-lhe condições de ver-lhe as calcinhas.
Na adolescência, já a sua primeira namorada foi conquistada de um modo não lá muito ético. É que o nosso protagonista tinha um colega de classe um tanto quanto tímido, que interessou-se por uma menina de uma outra turma, que correspondia aos seus sentimentos; entretanto, como o rapazinho não se encorajava a declarar-se direta e pessoalmente, resolveu um dia mandar recado pelo amigo:
-- Diz a ela que eu tô apaixonado . Se ela gostaria de ir ao cinema comigo...
O nosso rapaz, todavia, como também se sentira atraído pela mesma menina, tornou a mensagem extremamente diversa da enviada:
-- O fulano pediu a você que o desculpasse, mas que não alimentasse qualquer esperança com relação a conquistá-lo, porque gosta de meninos e não dá a mínima pra meninas.
Ante a perplexidade da mocinha, continuou:
-- E disse mais, só que pra mim em confidência: que você é uma bobalhona que se apaixonou tanto por ele, que é incapaz de namorar qualquer outro rapaz deste colégio. O que é uma pena, já que eu tô tão interessado em você e...
-- Você topa me namorar?! – atalhou a colegial, magoada, furiosa e resoluta.
O colega de classe de Jonas ficou sem entender nada, porque a moça passou a virar-lhe o rosto a partir de então, além de namorar o seu desleal mensageiro.
--A gente não entende as garotas. – explicou-lhe o infiel colega  uma vez – Quando eu fui dar o recado, ela me disse que não tinha o menor interesse em você e que eu, sim, sou o rapaz dos seus sonhos.
Não chegou, ao completar dezoito anos, a ingressar nas forças armadas, graças a um atestado médico de insuficiência física, atestado com timbre de um hospital público que obtivera de um falsário. Liberado de suas obrigações em relação à pátria, resolveu, no entanto, mesmo depois de vinte e tantos anos, não ingressar no mercado de trabalho.
--Querem vocês -- dizia a seus críticos – que eu engrosse essa camada de trabalhadores explorados que padecem neste país? Abster-me de trabalhar é antes de tudo um protesto contra a perversa relação de trabalho que grassa nesta nação.
Houve uma época em que deu a impressão de querer dedicar-se à caridade, e não é que alugou um terreno, armou um "stand" e montou uma igreja, a Igreja do Jesus Miraculoso, onde fazia enxergar os cegos, ouvir os surdos, falar os mudos, numa sucessão de milagres jamais vista? É bem verdade que cobrava donativos pesados, mas explicava a suas ovelhas que a igreja era de Deus e Deus não era mendigo para receber parcas esmolas, além de pô-los a par de que precisava dar continuidade à sua ( a dele, Jonas) obra incomensurável e magnífica: a construção, para os seus seguidores, de um condomínio de moradias no Céu.
Essa história toda de condomínio celeste, milagres, caridade só deu em água por culpa de uma mulher mal-amada, disposta a jogar por terra toda a vastidão do trabalho do nosso pastor. É que um dia, mal Jonas acabara de fazer enxergar um cego que o era há já dez anos, a mulherzinha gritou do meio da multidão:
--É mentira! Esse homem nunca foi cego!
O pastor indignou-se e dirigiu-se a ela com a autoridade moral natural e peculiar dos homens do Senhor:
--A senhora duvida de um milagre de Deus?
--Deixa de palhaçada, seu safado! Ele é meu marido e fugiu ontem com a vizinha. Pelo menos até ontem tava enxergando muito bem!
Foi um corre-corre danado, o falso cego levando guardachuvadas da mulher, gorda e mal-vestida, Jonas fugindo à ira da multidão, as pedras atingindo-lhe os calcanhares, e o episódio mostrando-nos mais uma ironia da vida, onde se pode descer da magnitude à execração, do mais elevado pedestal à situação mais chã. Assim o nosso amigo sofreu o primeira grande revés de sua vida.
Mas tinha capacidade para reerguer-se! E o conseguiu através de um casamento bastante ... digamos... satisfatório. A mulher era um pouco mais velha, se levarmos em conta que ele contava uns trinta anos e ela, setenta e cinco. Uma viúva doente e que herdara alguns bens do marido...
--Vejam só, meus amigos – costumava comentar entre os companheiros de copo, no período de recém-casado – duas bênçãos vieram a mim ao mesmíssimo tempo: o amor e a boa-sorte.  E, num gesto de auto-exaltação:--É a recompensa pela bondade, meus irmãos! Eu me dei à caridade, à probidade e à honradez. Deus me deu uma bela e remediada mulher por minhas obras e minha conduta neste mundo.
A conduta de Jonas dispensava comentários, a expressão remediada se adequava perfeitamente à situação financeira da mulher; todavia, bonita era uma palavra jocosa para se fazer alusão à mencionada senhora. Ela tava  "no bagaço", tinha setenta e cinco anos e aparência de oitenta e cinco. Tanto que o recente esposo tinha dificuldades em cumprir suas obrigações conjugais, sendo em muitas das noites auxiliado (ou melhor, salvo) pelos soníferos que vivia a colocar nos sucos de tomate que a pobre mulher tinha o hábito de tomar após o jantar.
Enfim, a senhora morreu no tempo mais ou menos previsto por Jonas, mas este não viu sequer a cor de sua herança, pois os credores da finada deixaram-na pobre como um indigente poucos dias antes de sua morte, com todos os bens e as contas bancárias penhoradas.
Foi aí, então, que o nosso homem teve a sua segunda queda na vida .
Nosso amigo houve assim de enfrentar a dura luta pela sobrevivência. Teve de se valer de pequenos expedientes como vender pardais pintados de amarelo para passarem por canários e fazer outros pequenos "bicos", tudo pelo suado pão dos dias. Outros biscates, aliás, de vez em quando lhe rendiam ganhos bastante razoáveis, sobretudo com o golpe da mulher adúltera.
Esse golpe era, aliás, bastante simples: Jonas associou-se a uma morena dotada de inúmeras e inquestionáveis virtudes – bunda grande, peito em pé, coxas grossas e torneadas, olhar lascivo e lábios carnudos – que, quer num ponto de ônibus, "shopping" ou que lugar fosse, olhava insinuante e insistentemente para o sujeito que lhe parecesse ter a carteira recheada. A vítima se aproximava, os dois conversavam e trocavam lisonjas, Celina, a morena, convidava-o a ir à sua casa, esse ia, os dois se despiam no quarto, ela fazendo que antes o indivíduo deixasse as roupas sobre uma cômoda que ficava bem próximo à porta do quarto. A cama ficava bem longe da cômoda e encostada à janela, e, quando os dois iam iniciar o ato sexual, Jonas, que sempre passava todo o tempo escondido na sala, gritava:
--Sua vagabunda! Desta vez eu mato você e o seu amante! –e metia a mão na maçaneta, abrindo a porta e surgindo diante do coitado com um revólver sem bala em punho.
Jamais um dos pegados no truque quis ir até a cômoda para pegar as roupas e a carteira, todos pulavam a janela nus como estavam. Os dois cúmplices riam muito nessas ocasiões, dividiam o dinheiro e Jonas é que se regalava nas carnes bronzeadas da gostosona.
Essa sociedade só se desfez porque o nosso amigo sofreu o seu terceiro golpe. Houve um dia em que Celina gostou de verdade de um sujeito, um cara grandalhão e musculoso como um hércules. Quando o tal estava nu e Jonas começou a bradar, a morena segurou o parceiro pelo braço, impedindo-o de pular:
--Não pula não, meu bem, que o revólver é de brinquedo.
Jonas arregalou os olhos, quedado, viu de repente aquele gigante nu crescer diante dele, e apanhou copiosamente... numa surra memorável, inesquecível.
Sumiu durante umas três semanas. Quando reapareceu, entrou no bar lotado de conhecidos, o ar compenetrado, e não sorriu nem aceitou as bebidas que lhe foram oferecidas.
--Senhores! – bradou solenemente – Quero pedir-lhes o silêncio por um momento, apenas para dizer-lhes que estou de partida.
Quiseram dizer alguma coisa, mas ele os conteve com um gesto, seguiu:
--Um homem deve ir sempre ao encontro de seus iguais e seus pendores, um homem deve ir sempre ao encontro de seu destino. Adeus, senhores! – e saiu botequim afora, sem atender a qualquer voz que o chamasse, sem dar qualquer explicação.
Sumiu do bairro, nunca mais ninguém o viu nem soube dele. E vez por outra ficavam a conjeturar sobre que rumo tomara na vida, o que quisera dizer com suas poucas e formais palavras. A que iguais se referira? A ladrões, vigaristas, golpistas, assaltantes? Não, assaltantes não: Jonas nunca fora violento. Nem os tais iguais deveriam ser desonestos, mas tão somente tristes, já que ele tinha o ar tão sério e compungido... E o que quisera dizer quando falou em ir ao encontro de seus pendores? Vigarice, calhordice, desonestidade...? Não, pois e o semblante tão austero...? Além disso, aquela merecida surra provavelmente o havia regenerado. Ele falava de algum pendor sério, talvez para a tristeza – não é o que sugeria em sua expressão? Reunir-se-ia a outras pessoas tristes, uma associação dessas de anônimos que há por aí. Ou quem sabe tornar-se-ia monge, viveria num mosteiro em lugar ermo e distante...? Não, meu Deus! Estaria ele pensando em suicídio, juntar-se a outras almas igualmente tristonhas? Meu Deus! Que tragédia! Foi isso que quis dizer ao referir-se a ir ao encontro do próprio destino! Só podia ser! Ir em busca de seus iguais era ligar-se no plano sobrenatural a outras almas infortunadas, o infortúnio era o seu pendor, e a morte, o meio de chegar a tal destino. Os boatos rolavam com frequência.. Jonas se matara. Jonas fora para um mosteiro. Jonas tornara-se um eremita. Integrara-se a uma quadrilha de falsários. De vigaristas. De assaltantes. Jonas casara-se com uma milionária, morava no estrangeiro.
E assim os rumores foram indo e vindo, de boca em boca, até que um dia uma barulhenta e perturbadora carreata parou bem em frente ao boteco que outrora Jonas frequentava, e adivinhem quem estava de pé na carroceria no carro principal, com uma faixa enorme acima da cabeça! Adivinhem quem! Quem? O próprio, minha gente! E na faixa se lia: “Votar em Jonas Pereira é votar em trabalho e honestidade.” Jonas desceu do carro e abraçou os amigos, pediu votos e pagou bebidas, sorriu muito e comentou com entusiasmo:
--Um homem com os meus predicados é nascido e feito sob medida para a carreira política.
E o nosso protagonista não só teve os votos dos amigos, como também elegeu-se na condição de um dos políticos mais votados daquelas eleições.


PASTORCARD

Retorno do namorado: duzentos e vinte e nove. Cura de tosse comprida: cento e cinqüenta e nove. Oração contra urucubaca: novente e nove e noventa. Saber que o seu pastor picareta nunca ficará preso: não tem preço. Há coisas que o dinheiro não pode comprar. Para todas as outras existe Pastorcard.

A VOZ DO POVO NÃO É A VOZ DE DEUS

Escute aqui: você acredita mesmo que a voz do povo seja a voz de Deus? Acredita mesmo? Verdade? Então, segundo você, Deus elegeu os filmes do Van Dame os melhores, adora pagode, "funk", o "Domingão do Faustão", o programa do Gugu, escolheu os políticos que estão aí com as rédeas do poder nas mãos , elegeu Collor  em 1989 e fez um monte de outras besteiras. Aliás, e , por falar em Collor, o senador é uma prova viva de que povo não sabe votar - e povo não é assim desde a Antiguidade, pois do contrário os judeus não teriam preferido Barrabás a Jesus, não é mesmo? Olhe aqui, meu amigo, não sou nenhum exemplo de credulidade e religiosidade, mas recomendo que tenha mais respeito com Deus. Isto se você não estiver a fim de ir para o Inferno, onde o grande problema não é o Diabo, mas um monte de políticos que andou indo para lá nos últimos anos. Tenho pena do demônio, porque aqueles caras tão infernizando a vida dele, coitado!... Dizem até que o pobre e sofrido Satã anda pensando seriamente em desertar. Deus o ajude...

POLÍTICO BEM-INTENCIONADO

Estão enganados aqueles que não acreditam na existência de políticos bem-intencionados. Eu próprio conheço um, que fez voto de pobreza, mora em uma casa humilde e dedica-se a ajudar os pobres e os indefesos. Atualmente está em campanha para obter um abrigo para o velhinho Papai Noel e uma perna mecânica para o Saci Pererê.

QUE SINUCA DE BICO...!

Odeio o governo e não confio na oposição, que aliás odeio mais ainda. Político só é bem intencionado com a própria família (quando é!). Ás vezes penso em ir embora para a Europa... mas e a xenofobia? E os neonazistas? Meu Deus! Tremo feito vara verde... Penso em ir para os Estados Unidos... mas lá seria tão respeitado quanto um policial desarmado por um grupo de bandidos. E aí penso em ir para um dos países latinoamericanos, muito parecidos com o Brasil... muito parecidos com o Brasil... mas é justamente este o problema! Então... Então... então... Alguém aí tem uma passagem pra Marte?

MENÇÃO AO TALENTO (COM TODO O RESPEITO)

Neste momento, em que o Humor, no Brasil e no mundo (sobretudo nos E.U.A.), me parece capenga e um tanto quanto desajeitado, exibindo insistentemente o medíocre e o sofrível, apelando em sua agonia de náufrago para a pornografia e a nojeira, por absoluta falta de qualidade e de quilate, sinto a triste sensação de a comédia ser coisa do passado. Nostálgico, evoco os tempos de ouro de Woody Allen, de Mell Brooks, de Haroldo Barbosa (cuja morte fez o humorismo menos rico no Brasil) e Chico Anísio. E valho-me da chance para ater-me um pouco mais a este último, humorista de incontáveis habilidades e inimaginável criatividade, um dos gênios do humor deste país. Criador e intérprete de mais de uma centena de personagens com características e peculiaridades diversas, escritor, pintor e dono de uma inteligência impressionante, Chico deve e sempre deverá ser citado como uma das mais brilhantes cabeças deste país. Uma pena artista de tamanha envergadura haver sido "congelado" por uma emissora covarde e arrogante, silenciado enquanto um monte de humoristas menores leva o público quase às lágrimas com o seu arremedo de humor de péssimo gosto, apresentando-se pequeno, grosseiro e rasteiro, quase tentando valer-se, ainda nos dias de hoje, de argumentos gastos da comédia pastelão com seus pés na frente dos garçons e suas tortas na cara dos cidadãos. Lamentável este quadro. Mais uma vez o meu mais reverente "viva" ao respeitabilíssimo Chico Anísio, notável e admirável talento brasileiro.

DO VOTO

Para aqueles que acreditam que o Brasil possa mudar através do voto, vai aqui a minha observação: só se o voto for de castidade.

A MÍDIA E O 447

Tenho todo o respeito do mundo pelas vítimas e pelos familiares daqueles que morreram no famigerado avião que desapareceu. Ao contrário dos profissionais de imprensa, que servem-se do triste "prato" e ficam se deliciando e lambendo os repulsivos beiços com um prazer desmedido, monstrusoso e bizarro. São notícias que torturam atrozmente aqueles que tinham entes queridos na nave. Mas a mídia não se comove, pois repisar a notícia atrai a atenção do público, gera pontos no ibope e, por conseguinte, anunciantes para bancarem a sua ganância incomensurável. Chamaria-os abutres se os animais não fossem tão respeitáveis. Eles são, na verdade, cruéis bestas humanas, tão torpes e cruéis quanto qualquer assassino do tráfico. Que gente, meus amigos!